O barato pode sair mais caro do que se imagina. Algumas cautelas adotadas no momento da compra podem evitar grandes prejuízos.
Não é novidade alguma que o brasileiro é um povo completamente apaixonado por carro.
Mesmo após o país atravessar as mais diversas crises nos últimos anos, o setor automobilístico parece ser imune às instabilidades financeiras, e não é à toa.
Apesar de não alcançar o mesmo desempenho de alguns anos atrás, a comercialização de veículos, incluindo modelos novos, seminovos e usados, continua a ser um dos setores mais lucrativos do país.
Assim, realizar transações de compra e venda de automóveis através da internet representa uma valiosa comodidade para o consumidor, seja para encontrar o carro dos seus sonhos, evitar a dependência de concessionárias ou até mesmo o deslocamento à diversas concessionárias.
Entretanto, junto com as conveniências oferecidas pelas diversas plataformas de comércio online, surgem também indivíduos mal-intencionados aplicando esquemas fraudulentos, entre eles a prática online comum conhecida como "fraude do falso intermediário".
Essa modalidade de golpe virtual afeta tanto os vendedores, quanto os compradores de veículos e, embora possa parecer complexo, ocorre com assustadora frequência.
Na prática é simples: golpistas se aproveitam de anúncios de terceiros para negociar carros usados ou seminovos. O objetivo dessa fraude é clonar anúncios legítimos e receber o pagamento do comprador interessado pelo veículo.
Como os golpistas agem?
Primeiro, o golpista começa entrando em contato com o vendedor, solicitando mais detalhes sobre o veículo e oferecendo uma proposta de negociação que pareça mais complexa do que o habitual, geralmente contando alguma história envolvendo terceiros.
Na estratégia do golpe do falso intermediário, o golpista costuma mencionar dívidas com terceiros, podendo estes serem familiares, amigos ou conhecidos. Ao finalizar, o golpista pede sigilo absoluto em relação à transação e ao valor acordado com o vendedor.
O próximo passo consiste em replicar o anúncio original: o criminoso cria uma oferta com as mesmas fotos e dados do veículo escolhido, e a disponibiliza por um valor muito abaixo da média de mercado. Assim, com um carro em condições atrativas e preço baixo, a segunda vítima (comprador) é facilmente atraída pelo anúncio clonado.
Quando um possível comprador entra em contato através do anúncio falso, o criminoso alega que a venda do carro solucionará uma dívida, criando assim uma justificativa para o preço abaixo do mercado e aumentando a confiança do comprador no negócio.
Como é costumeiro verificar as condições do veículo pessoalmente antes de finalizar um negócio deste tipo, o golpista aguarda pacientemente até que o comprador entre em contato demonstrando interesse em averiguar o veículo. É neste que momento ocorre a parte mais engenhosa do golpe: o golpista contata ambas as partes para uma visita presencial, fazendo com que as duas vítimas se encontrem, sem que estas saibam que estão interagindo com uma pessoa diferente e não o verdadeiro proprietário do anúncio.
Dessa forma, o fraudador agenda um dia, local e horário para que ambos vejam o carro. Para o vendedor, o golpista alega que um amigo (ou parente, funcionário etc.) está indo inspecionar o veículo. Assim, o comprador acredita estar examinando o carro na companhia de algum conhecido do suposto vendedor. E é neste momento que outro sinal de que o negócio é fraudulento aparece. Geralmente, nesta inspeção, o golpista acaba instruindo vendedor e comprador a não mencionar nada sobre os valores negociados, pois a mínima divergência/contradição colocaria o plano do golpista por água abaixo.
Por último, após passar pela etapa da inspeção do veículo, o golpista conclui a negociação com o comprador, solicitando em seguida o pagamento do negócio -geralmente depósito ou transferência bancária. Assim, acreditando que realmente está concluindo a aquisição do veículo, o comprador faz o pagamento ao estelionatário. Para o vendedor, o golpista envia um comprovante de transferência falso (sendo muitas vezes bem difícil a caracterização).
Na maioria dos casos, a vítima deste golpe só descobre a fraude após a solicitação da documentação de transferência do veículo ou até mesmo quando percebe que o comprovante de transferência é falso. Geralmente, neste momento, o vendedor é até mesmo colocado sob suspeita, pois aos olhares do comprador, recebeu o pagamento, mas não concluiu os trâmites da transferência do veículo.
E é desta forma que a fraude é concluída, vendedor e comprador enganados por um terceiro que nunca aparece, e após a conclusão do golpe, imediatamente bloqueia qualquer contato com as partes, deixando apenas os prejuízos a serem arcados.
Caí no golpe do falso intermediador, e agora?
Ficou demonstrado que tanto comprador como vendedor saem com grandes prejuízos após caírem na armadilha desses golpistas: o comprador que fez um pagamento de alto valor e não receberá o veículo, e o vendedor que não recebeu o valor da transação.
Nota-se, contudo, que em termos financeiros, quem sofreu o maior prejuízo foi o comprador, que efetuou uma transferência de alto valor para um criminoso e, após a conclusão do golpe, sumiu com o dinheiro sem deixar rastros.
É importante mencionar que, dificilmente o golpista informará seus próprios dados bancários para o comprador efetuar o pagamento. Como o golpe é feito por estelionatários profissionais, são adotadas cautelas para não possibilitar rastros pela polícia e instituição financeira. O método mais comum utilizado pelos fraudadores é a abertura de contas bancárias com dados falsos e/ou em nome de terceiro, que muitas vezes não fazem ideia de que seu nome está sendo utilizado para abertura de uma conta bancária por um criminoso.
Levando isto em consideração, é até possível identificar o recebedor dos valores depositados e ingressar com um processo judicial contra este, contudo, há grandes chances de o comprador amargar com mais um prejuízo, pois a conta utilizada para o recebimento dos valores pertence a um terceiro de boa-fé, que não fazia a mínima ideia de que seus dados estavam sendo utilizados por criminosos.
Diante do complexo esquema fraudulento montado pelo criminoso, infelizmente o comprador que cai neste tipo golpe e conclui a transferência bancaria para o golpista costuma suportar integralmente os prejuízos sofridos sem ter a quem recorrer.
Para o vendedor, que descobre a fraude somente após a entrega do veículo e, ainda, se depara com a recusa do comprador em devolver o bem que foi objeto de fraude, há uma saída judicial a ser tomada. É possível ingressar com uma Ação de Reintegração de Posse cumulada com Anulação do Negócio Jurídico, requerendo que o veículo seja devolvido ao vendedor, bem como seja reconhecida a nulidade do negócio jurídico.
Isso se torna possível pois o vício de consentimento configura causa de anulabilidade de qualquer negócio jurídico, conforme exposto nos artigos 138 e 139 do Código Civil. Assim, houve erro essencial no que diz respeito a elementos essenciais do negócio jurídico firmado entre as partes, intermediadas por um terceiro criminoso, gerando a declaração de vontade viciada pelo vendedor.
Desta forma, para o vendedor que foi lesado ainda é possível reverter este prejuízo ao propor a medida judicial adequada.
Como evitar o golpe do falso intermediador?
Tanto vendedor como comprador podem (e devem) tomar uma série de cautelas no momento de fechar negócio, independente do valor da transação. Essas cautelas devem ser tomadas logo no início da negociação e até mesmo antes disso, logo ao acessar o anúncio do veículo.
• Primeiramente, cabe ao comprador ter a diligencia de averiguar os anúncios do veículo desejado e desconfiar de imediato daqueles em que o preço do bem afigura-se bem abaixo do valor de mercado. Sempre desconfie de ofertas mirabolantes e negócios imperdíveis, geralmente o perigo reside neste tipo de anúncio.
• Jamais negocie com um intermediário. Certifique-se de que está tratando com o real interessado pelo veículo e não um terceiro que foi indicado pela pessoa.
• Desconfie de quaisquer histórias contadas pelo interessado sobre valores que irá receber por terceiros, como dívida de amigos, rescisão de contrato de trabalho etc.
• Caso evolua para o fechamento do negócio, é importantíssimo que o vendedor se certifique de que o valor está efetivamente em sua conta bancária. Para isso, contate imediatamente o gerente de sua conta bancária para identificar o recebimento do valor, e então, somente após essa etapa, proceda com a transferência do veículo.
• Já pelo lado do comprador, é de suma importância que confirme os dados bancários do vendedor e apenas faça a transferência para a conta bancária do proprietário do veículo.
Conclusão
Como vimos até aqui, o golpe do falso intermediador continua ocorrendo com frequência no país, ocasião em que devemos reforçar a importância de estarmos sempre vigilantes ao comprar ou vender um veículo online. Nunca é demais tomar as precauções necessárias para evitar este tipo de fraude, pois os prejuízos oriundos deste golpe são muitas vezes devastadores para as partes. Portanto, é extremamente importante a busca por auxílio jurídico para garantir transações seguras, evitando assim dores de cabeça futuras.
Este artigo é meramente informativo e não substitui o aconselhamento jurídico individualizado.
Se o leitor estiver passando por alguma situação semelhante ou tiver dúvidas específicas, é importante procurar um advogado de confiança.
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